JORGE DAVIDSON

O uso de linguagem inclusiva é uma realidade cada vez mais frequente em âmbitos tão diversos como o mundo corporativo, as ONG, a mídia e muitos outros. Este breve artigo tem a finalidade de apresentar três casos em que tive que usar linguagem inclusiva nos últimos meses. Não pretendo apresentar aqui estratégias nem recursos, mas destacar o fato de que, como linguistas, não podemos nos atrincheirar “naquilo que sempre se fez”, mas devemos estar preparados/as para responder ao que nossos/as clientes precisam, sem julgamentos, e com a capacidade de lançar mão de soluções criativas, próprias e emprestadas.

Caso 1: Para celebrar o dia internacional da língua materna, uma importante empresa multinacional desenvolvedora de software teve a iniciativa de mandar uma mensagem para seu pessoal sugerindo que cada um optasse por usar o pronome com o qual mais se identificasse. O texto incluía como exemplos “he/his, she/her, they/them”. Nesse caso houve um desdobramento engraçado: o corretor da própria empresa devolveu o arquivo pedindo para corrigi-lo, já que o pronome “elle” (they, em espanhol) não existia. Provavelmente por incapacidade de pensar fora dos moldes tradicionais, ele não conseguiu entender o que a própria empresa estava querendo dizer.

Caso 2: Uma companhia de teatro pediu a legendagem de uma série de vídeos curtos onde os atores e atrizes de uma peça se apresentavam e falavam sobre seus trabalhos. O primeiro depoimento começava da seguinte maneira: “Hi friends, I’m XXXXXX. My pronouns are they/them”.

Caso 3: Uma ONG internacional pediu para utilizar linguagem inclusiva na tradução do seu site. Analisei outros conteúdos da organização e concluí que a estratégia que utilizavam, mesmo sendo mais inclusiva, continuava sendo binária, isto é, apenas considerava os gêneros masculino e feminino. Consultei o cliente para ver se era isso mesmo o que ele esperava e ele respondeu que sim, que era exatamente isso.

Acredito que existem muitas situações diferentes e cada uma delas exige uma resposta também diferente. Não podemos tratar da mesma maneira todos os projetos, mas devemos avaliar o que os/as clientes esperam receber e tentar nos ajustar o máximo possível a isso. Também acho que não existe uma única maneira de usar linguagem inclusiva e que, como profissionais da língua, devemos explorar o maior número de opções possíveis e ter a sensibilidade suficiente para escolher a que melhor responda a cada situação. O que não podemos é achar que somos guardiões do “uso correto” da língua, agir de maneira reativa ou fechada, sob o risco de perder boa parte dos nossos/as clientes. Se não for por convicção (e no meu caso, é), será por sobrevivência.

 

Jorge Davidson é professor da pós-graduação em Tradução. Ele é mestre e doutor em História Social pela UFF-RJ e mestre em Estudos da Linguagem pela PUC-RJ. É tradutor especializado em tecnologia e localização para grandes empresas desenvolvedoras de software e hardware, além de outras áreas como arquitetura, saúde pública, comunicação, educação, história e meio ambiente.

Publicado com autorização do autor do LinkedIn.

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